Ser mulher é performar o tempo todo?
Da “garota perfeita” à mulher que desaprendeu a se justificar
Por muito tempo, ser mulher significou atuar um papel. A garota que sorri mesmo cansada. A profissional impecável. A mãe incansável. A amiga compreensiva. A namorada leve, divertida, “sem drama”.
Aprendemos a performar tudo: até o quê deveríamos apenas sentir.
E talvez esse seja o maior reflexo de uma cultura que sempre esperou que a mulher fosse “adequada”. Em casa, no trabalho, no amor. Um equilíbrio impossível entre ser inspiradora e acessível, forte e gentil, bonita, mas não vaidosa demais.

A ficção criou o mito da “mulher ideal”
O cinema e a TV ajudaram a moldar esse ideal. No fim dos anos 90 e início dos 2000, por exemplo, surgiram as Cool Girls — ou “garotas descoladas” — como Mary Jensen, personagem de Cameron Diaz em Quem Vai Ficar com Mary?.
A mulher perfeita para o olhar masculino: divertida, leve, bonita, acessível e sempre pronta para acompanhar o namorado em tudo o quê ele gosta.
Logo depois, veio uma nova versão desse mito: a Manic Pixie Dream Girl, excêntrica, fofa, “diferentona”.
Claire Colburn, de Tudo Acontece em Elizabethtown, e Summer, de (500) Dias com Ela, são os exemplos mais conhecidos. Mulheres criadas não para existirem de fato, mas para ajudarem o homem a se descobrir.
A Cultura Pop nos ensinou, por décadas, que o feminino ideal era aquele que não atrapalhava. Que sorria, inspirava e depois saía de cena.

As “mulheres reais” também foram roteirizadas
Mesmo quando a ficção tentou se aproximar da realidade, o resultado ainda foi performático. Na série Sex and the City, por exemplo, vimos arquétipos igualmente bem ensaiados:
- Charlotte, a romântica que busca o casamento perfeito.
- Miranda, a profissional independente que precisa se provar num mundo de homens.
- Carrie, a sonhadora moldada pelos amores que cruzam seu caminho.
- Samantha, livre e autêntica, mas tratada como ameaça por não se encaixar.
E assim seguimos entre extremos e expectativas. A mulher idealizada, a mulher imperfeita “cool”, a mulher forte demais… Todas versões diferentes da mesma exigência: ser interessante o suficiente para os outros.
O reflexo na vida real
Esses arquétipos ultrapassaram as telas. Quantas de nós não crescemos desejando ser uma delas?
Bonitas, mas naturais.
Inteligentes, mas não competitivas.
Bem-sucedidas, mas acessíveis.
Maduras, mas aparentando 25 anos.
O monólogo de America Ferrera em Barbie resumiu tudo o quê a Cultura Pop levou décadas para expor: o paradoxo de existir sob uma lista infinita de “mas”.
Ser mulher virou uma equação impossível e quando até as mulheres imperfeitas parecem “perfeitamente caóticas”, algo está errado. De Fleabag a Ninguém Quer, até o colapso ganhou uma estética vendável. Mesmo o caos precisa ser bonito.
A geração exausta de tentar dar conta de tudo
Séries como Big Little Lies trouxeram um novo tipo de personagem feminina: aquela que colapsa. Não por fraqueza, mas por exaustão.
A geração que cresceu tentando “dar conta de tudo” está cansada.
Porque tentar ser perfeita é cansativo e ninguém aguenta sustentar uma personagem o tempo todo. A ficção começou a refletir isso, e talvez esse seja o início de um novo tipo de representação: a da mulher que não quer mais ser exemplo.
O poder de parar de se justificar
Hoje, talvez o maior ato de coragem seja parar de tentar preencher um papel para os outros. Reconhecer que há dias em que a gente não quer ser legal, perfeita ou inspiradora; só quer existir, respirar, continuar.
Talvez o verdadeiro poder esteja em desistir de provar algo o tempo todo. Porque, no fim, a liberdade não está em ser exemplar. Está em ser humana.
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