Tremembé: os bastidores da série que mergulha no presídio dos “famosos”
Baseada em fatos reais, a produção mergulha na atmosfera da Penitenciária de Tremembé, conhecida por brigar condenados de grande repercussão nacional
Tremembé, a nova série do Prime Video, é uma das produções nacionais mais impactantes dos últimos anos. Inspirada no livro do jornalista Ulisses Campbell, a série reconstrói casos reais e mergulha na atmosfera da Penitenciária de Tremembé, no interior de São Paulo, um dos presídios mais conhecidos do país por abrigar condenados de grande repercussão.
Mais do que retratar crimes que chocaram o Brasil, Tremembé propõe uma reflexão sobre culpa, redenção e as zonas cinzentas da moral humana. A trama acompanha personagens de figuras reais, revelando as engrenagens do sistema prisional e o impacto psicológico de conviver com a própria sombra.

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A convite do Prime Video, a Geek Inc teve a oportunidade de conversar com parte do elenco, os diretores e a equipe criativa da série, incluindo o autor Ulisses Campbell, a diretora da série Vera Egito e o elenco: Anselmo Vasconcelos (Roger Abdelmassih), Kelner Macêdo (Chritisna Cravinhos), Bianca Comparato (Anna Carolina Jatobá) e Lucas Oradovschi (Alexandre Nardoni) sobre o processo de produção, os bastidores das gravações e o desafio de representar personagens tão complexos.
Geek Inc — Foram cerca de quatro anos até a estreia e vocês mencionaram 1.700 pessoas envolvidas no projeto. Como Tremembé saiu do papel e quais foram os maiores desafios?
VERA — A sala de roteiro durou cerca de dois anos. Começamos as primeiras reuniões em 2022. Em 2023 seguimos na escrita. Em 2024 foi filmagem. Depois vieram edição, pós, som e ADR. Somando técnicos, artistas, elenco principal e de apoio, chegamos a quase 1.700 pessoas empregadas ao longo do processo. É um número importante, porque por algum motivo a indústria cultural ainda é vista como algo que ‘não serve’ à economia. Mas serve, muito.” Também houve o desafio da fidelidade. Os personagens que o público conhece, como Roger e Cristian Cravinhos, são reais. A caracterização ajuda, mas é a pesquisa e a interpretação que aproximam. O curioso é que, fora de cena, são pessoas doces, nada a ver com os personagens.
Geek Inc — Como foi o processo de transformação em personagens inspirados em figuras reais?
KELNER — Foi uma transformação completa. Primeiro o visual, depois tatuagem. Ficávamos 1h30–2h só na caracterização. A Britney, nossa caracterizadora, fez um trabalho espetacular. Isso aproxima muito, mas o desafio de encarar esses personagens foi de coragem para todo mundo. A série entra no lado das sombras do ser humano; a gente sai transformado.
ANSELMO — Fui estudar um conceito conhecido desde 1985, a condutopatia . Ou seja, a diferença entre transtorno de conduta e doença mental. O que é um psicopata? Qual o gatilho da violência serial? Digo sempre que somos ignorantes sobre o comportamento humano. Nossa consciência é a ponta do iceberg; o que está embaixo é imenso. Tremembé toca nesse escuro que ainda não sabemos nomear.
Geek Inc — Dos bastidores: há algo que não entrou na série, mas marcou vocês?
ANSELMO — Aconteceu uma coisa estranhíssima: eu era rejeitado. Muita gente não falava comigo porque via o Roger em mim. Era um silêncio pesado.
ULISSES CAMPBELL — Visitei o set várias vezes e senti ojeriza quando vi o Anselmo caracterizado. Não só pelo visual: tinha a energia. A reconstrução da penitenciária também pesava. Eu visitei muitas prisões; a de Tremembé que refizemos para a série tinha esse mesmo ar soturno, de ‘almas doentes’.
VERA — O figurino dos presos é o uniforme real usado nas penitenciárias estaduais de São Paulo, produzidos por detentos. Parte do elenco de apoio era formada por egressos do sistema. Tivemos consultores, egressos e policiais penais, orientando: ‘é mais ou menos assim’. Essa troca trouxe uma realidade que se sente em cena.
Geek Inc — Interpretar pessoas reais e vivas traz responsabilidades. Como foi a preparação?
BIANCA — Foi uma preparação intensa e vertical. Há pouca informação sobre algumas figuras; então fiz muita pesquisa. O Ulisses, coautor e jornalista, trouxe documentos e referências. Li livros, inclusive o do Rogério Paganini, acessei documentos oficiais, revi materiais audiovisuais. Fiz trabalho vocal e corporal: sou carioca, ela é de Guarulhos; ajustei sotaque, postura, olhar. A caracterização ajudou muito. Tivemos uma preparadora, Maria Laura Snogiria, que trabalhou conosco e com o Lucas a relação do casal.
LUCAS — Viver personagens reais, envolvidos em um caso sensível que marcou a memória coletiva, é caminhar numa corda bamba. Precisa de dedicação e cuidado. Havia um pacto silencioso no set: elenco, direção, todos… para manter um ambiente leve e respeitoso. As cenas já eram densas; então a gente preservou as relações. É um trabalho de respeito às vítimas e às famílias. Desafiador. E, por isso mesmo, transformador.
Geek Inc — A caracterização chegou a confundir o público?
LUCAS – Sim. Filmávamos uma cena externa que o país conhece bem. Estávamos caracterizados, figurino muito próximo da época. Com a equipe toda, chamava atenção. As pessoas começaram a sussurrar: ‘Olha, é um Nardone’. Virou rodinha na rua. Fiquei espantado com a força da imagem.
Assistir a Tremembé é encarar uma ferida aberta. A série não se apoia no sensacionalismo, mas em uma tentativa honesta de compreender as sombras que nos habitam. É sobre empatia, ética e humanidade e também sobre como a arte pode iluminar até os lugares mais sombrios.
Onde assistir: Prime Video